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A volta dos alienistas

ARTIGOS

26/02/19 por Clínica DiálogoCiência e Pesquisa

Sobre a crueldade institucionalizada e a incoerência entre uma sociedade saudável e práticas desumanas

No dia 4 de fevereiro de 2019, o Ministério da Saúde lançou a Nota Técnica nº 11/2019, que altera a Política Nacional de Saúde Mental. Mesmo que ainda não tenha entrado em vigor, tal proposta é um ataque à Lei 10216/2001 que trata da reforma psiquiátrica e é importantíssima na luta antimanicomial. A recente nota técnica se configura um ataque real considerando as recentes medidas adotadas pelo atual governo na violação de liberdades políticas, de expressão, de educação, entre outras.

Avanços na atenção à saúde mental estão em perigo diante das propostas do Ministério de incluir os hospitais psiquiátricos na Rede de Atenção Psicossocial, aumentar o número de leitos nesses hospitais e financiar a compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia. Exatamente o que a reforma psiquiátrica levou décadas para afastar das práticas “terapêuticas”. Pois é inconcebível que o eletrochoque seja um método de tratamento eficaz, e mais importante ainda: humano. Apoiar o eletrochoque como parte do “melhor aparato terapêutico para a população” é uma evidência de falta de conhecimento teórico-técnico e um recado do quanto o Ministério não se preocupa com a saúde.

Outro ponto da Nota que assusta pela desumanidade é o apoio à implementação de manicômios no Brasil. Mais um caso de falta de memória ou desconhecimento histórico, visto que o Hospital Colônia de Barbacena e as 60 mil mortes que ocorreram nesse hospício deveriam ser exemplo do fracasso, da violação de direitos e do extermínio que a institucionalização representa. O caráter de punição do hospício revela seu objetivo de controlar e subjugar os corpos, e não de cuidar das mentes.

Se poderia levantar a hipótese de que as mudanças na Política Nacional realmente estão voltadas para a saúde mental, mas essa possibilidade não se sustenta, não se engane. Primeiro porque há tempos o asilamento deixou de ser tratamento de saúde. E segundo porque a postura repressiva do atual governo não deixa dúvidas de que os hospitais psiquiátricos poderão ser usados de forma punitiva para exercer controle social.

Não se indignar com a defesa da volta da lógica manicomial é ser cúmplice dos crimes que a indústria da loucura comete. Sofrimento não é defeito no cérebro, transtorno mental não é sinônimo de periculosidade e ser diferente não é doença. Nós precisamos, podemos e devemos pensar em práticas de convivência mais saudáveis, em como estarmos juntos nos cuidando, olharmos para o outro com respeito. Oferecermos abraços ao invés de camisas de força.

 

Ana Paula Morais – Psicóloga – CRP: 01/17332.